Oráculo
Qual é sequer a finalidade dessa ânsia de desvendar o Tempo e o Destino?
Tive contato com oráculos desde idade muito pouca. Qual é o primeiro pensamento que passa através da cabeça inexperiente quando encontra com uma ferramenta tão intrigante, que promete desvendar as sombras, te permitir enxergar através do véu, conhecer os segredos mais obscuros de seus amigos e inimigos, desvendar o coração e o espírito? Tentador, sedutor, intrigante, instigante. Vamos com sede ao pote: livros, cartas, velas, métodos, tiragens, nos afundamos em significados poéticos, em lâminas misteriosas que nos oferecem interpretações extraordinárias da realidade, da verdade, do tempo e da psique humana.
A questão é que, o oráculo antes de ser uma ferramenta de descoberta, é uma ferramenta de autodescoberta. São fragmentos de uma história há muito perdida, são os fragmentos do firmamento da sabedoria, do autoconhecimento. Sua origem e finalidade varia, divide opiniões, cria controvérsias. Veja bem, não busco discutir nenhuma dessas questões, a crença naquilo que pessoalmente lhe serve é a verdade pessoal que deves permitir que lhe guie. Porém digo que com alguns anos de amadurecimento lidando com diferentes oráculos, perspectivas e visões da minha prática digo que o Oráculo é uma ferramenta como um martelo, pode consertar algo que muitos tentaram resolver com as mãos e não conseguiram, mas também pode cair de uma altura cômica, lhe acertar a cabeça e causar um trauma irreparável, por isso admiro o ofício do cartomante. Aquele que tem o cuidado e a finesse de usar seu martelo para pregar pregos finos aonde falta o reparo e que possui mãos firmes para não permitir que esse martelo escorregue e caia na cabeça de seus consulentes e cause um trauma.
Eu mesma pouquíssimas vezes usei as cartas para serviço de outras pessoas, apesar de tê-lo feito quando vejo sinceridade e necessidade em uma situação que chega às minhas mãos. Sou uma oraculista dos deuses, sou uma necromante. Traduzo, busco e transcrevo energias, mensagens e conhecimento, meu oráculo para mim é ferramenta de estudo tal qual um livro, inclusive com as mesmas implicações de se abrir um livro. Muitas vezes, observando outros oraculistas e seus serviços admiráveis de trazerem mensagens, alento e verdades aos seus consulentes, me perguntei se não era egoísmo escolher não usar essa ferramenta exclusivamente em prol de outras pessoas e seus conflitos (veja bem, eu o faço ocasionalmente. Por escolha decidi pôr meu oráculo em prol da verdade de minha prática, conhecimento oculto e à serviço de deuses e entidades), então certo dia, em uma de minhas sessões exclusivamente particulares veio a mim que: “Antes de buscar iluminar o caminho dos outros é preciso usar sua visão e sua luz para desvendar sua própria tempestade.” E por vezes ainda me vejo incapaz de aceitar me pôr sob a luz depois de passar tanto tempo trabalhando nas sombras. Tire um morcego de sua caverna e ordene que ele voe como uma águia sob o sol, ele mal abrirá os olhos e provavelmente sequer será capaz de bater as asas para vôo raso.
E essa é a realidade, o trabalho demasiado nas sombras te faz esquecer como é sentir a luz do sol sobre sua pele, te faz espremer os olhos, enrugar a testa e praguejar sob a luz. Luz e sombras jamais foram conceitos opostos, pelo contrário, são conceitos complementares que não podem existir individualmente, a luz projeta sombras, a sombra é o interior onde a luz se perde, é dissolvida.
Portanto sigo carregando comigo que as cartas são simplesmente fragmentos da verdade nas sombras buscando a luz de olhos capazes de interpretá-las, aqueles que as usam em prol dos outros são iluminados, mas precisam se lembrar que as lâminas não podem prever dizer e fincar uma previsão imutável do futuro em uma realidade em que o Tempo é o senhor de todas as coisas e o espírito humano é tão volátil. Podemos enxergar probabilidades, possibilidades e caminhos através do véu, jamais destinos imutáveis. Pois o próprio tempo e destino não são sentenças imutáveis. São fios trançados por escolhas, energias, momentos e sincronicidade.
Portanto, dentro de minha visão e experiência, o oráculo é um servidor da verdade, não uma régua capaz de medi-la. É uma ferramenta capaz de mostrar caminhos prováveis e suas finalidades, ler espíritos e desnudar corações, mas na realidade nem mesmo aqueles dotados das mãos que podem ler o futuro podem contemplar na totalidade a Verdade de todas as coisas. A ânsia por dominar o destino te leva a ser dominado pelo desespero e desalento do conhecimento que o destino não pode ser dominado, a verdade não pode ser determinada como uma flecha certeira que se finca em um alvo, não é uma fórmula exata escrita em papiros antigos. Pode se moldar, pode mudar, e jamais seremos seres capazes de medir a exatidão prática do destino e de seus desenrolares.
O tempo é voraz, mutável, o menor bater das asas de uma borboleta podem transformar um decreto em uma incógnita, uma incógnita em uma lei e uma lei em maldição.



